Que Luz Estarias a Ler?

Que Luz Estarias a Ler? é uma breve plaquete onde banda desenhada e ilustração se cruzam em território fértil à experimentação de ambas as linguagens e pouco preocupado com fronteiras. O traço de Ana Biscaia, rabiscado, forte no trabalho com o lápis e usando a cor com parcimónia, deixa respirar a aura de indignação que atravessa estas páginas. Sobre a sequência de ilustrações, originalmente criada para o Festival de BD e Ilustração de Treviso, João Pedro Mésseder escreveu o texto que acrescentou uma narrativa verbal às imagens. A junção de ambos ficciona os momentos após o bombardeamento que o exército israelita desferiu sobre Gaza em 2014, cujos projécteis atingiram uma escola cheia de crianças, e a tentativa de Aysha, uma dessas crianças, salvar os livros que ficaram entre os escombros.

Respigando nos destroços, o gesto de Aysha é o modo de manter viva a memória do seu amigo Kalil, morto durante o ataque. O simbolismo é óbvio, extravasando esta história e o ainda pequeno (mas já brutal) mundo de Aysha. Salvar os livros parece ser o único trabalho possível perante a impossibilidade de salvar as vidas, fraco consolo perante a devastação mas, apesar disso, uma forma de manter a esperança em novos recomeços. Devastação e esperança são, assim, os eixos desta curta narrativa, mas antes que alguém fale em ‘contos de crianças’, menosprezando um território tão rico quanto pouco conhecido, assinale-se que não há aqui nenhum vestígio da retórica menorizadora que a tudo oferece simplismo e finais felizes. O que há, com uma força que atinge o seu auge na última prancha – exemplar no modo como as imagens de guerra contrastam com o texto sobre o futuro – , é a constatação de que vida vai prosseguindo, mesmo por entre a maior das desolações, mesmo que adiando o prazo de validade até ao sorteio do bombardeamento seguinte.