Nhonhô Rezende
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Em uma demonstração da hegemonia patriarcal na historiografia literária brasileira, a escritora Iracema Guimarães Vilela hoje está praticamente esquecida. No entanto, nas primeiras décadas do século XX ela produziu uma obra que se estendeu por romances, contos, crônicas em jornais importantes (vinte anos escrevendo em O Globo) e peças teatrais encenadas. Como outras mulheres das letras, entre elas a francesa George Sand, Vilela assinava seus escritos com um nome de homem, Abel Juruá, embora nunca tenha escondido sua identidade. Nhonhô Rezende (1918), seu romance de estreia, dá a medida do talento da escritora, obscurecido ao longo das décadas.
Trata-se de uma história de amores desencontrados com fortes tintas de observação da sociedade e dos valores morais da época. Os personagens se alternam entre o Rio de Janeiro e Teresópolis, na serra fluminense, onde as famílias ricas iam passar suas férias de verão. Nhonhô Rezende, que se desenrola em algum momento entre o fim do Império e o início da República, tem uma fluência sofisticada que transita de personagem para personagem, de modo a deslocar o centro da ação.
Assim, a narrativa inicialmente se concentra na jovem senhora Nair, chamada pelos próximos de Iaiá, moradora de Teresópolis. Antes de casar-se e ter uma filha, viveu um breve romance com o dândi Nestor, o Nhonhô Rezende do título do romance. Nair guarda péssimas lembranças de Nestor, de quem testemunhou o mau-caráter e o cinismo – o próprio personagem se define como “produto genuíno da sociedade de hoje, um produto cético; depravado e frívolo”. Mesmo assim, Nair se vê obrigada a conviver socialmente com ele.
A ganância e a dissimulação de Nestor também afetarão Stella, irmã mais nova de Nair, que vem do Rio para passar um tempo em sua casa. Ainda mais falsa do que ele é sua irmã, Clotilde, uma especialista em intrigas. Mais tarde ganha destaque na história a jovem e rica Dinorah, prima de Nair e Stella, também enredada nas más intenções de Nestor, que está de olho em sua fortuna.
Ao redor desses personagens centrais, gravitam figuras da capital, com título nobiliárquico e um tanto ridículas, e os tipos da “roça”, não raro divertidos, entre eles um farmacêutico que não acredita em remédios. Como observa Constância Lima Duarte, doutora em literatura brasileira pela USP, no posfácio da edição, esse conjunto heterogêneo permite à autora reproduzir a linguagem das diferentes classes sociais – tanto o falar pedante dos aristocratas quanto as saborosas expressões das classes populares. Entre os vívidos diálogos da classe alta discutem-se as questões dos direitos das mulheres e o feminismo, temas indefectíveis entre as melhores (e esquecidas) escritoras da época – entre elas as que tiveram livros publicados pela CARAMBAIA: Júlia Lopes de Almeida, Chrysanthème e Ercilia Nogueira Cobra.