Cinema Orly
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Numa despudorada autoficção, o escritor e compositor Luís Capucho mergulha o leitor na penumbra em Cinema Orly. É um relato confessional que se passa quase inteiramente na sala de exibição de filmes pornográficos do título. Corre a década de 1990, quando o local, no centro do Rio de Janeiro, havia se transformado em endereço de encontros homossexuais, enquanto na tela eram exibidos filmes de pornografia hetero. Entre homens e travestis, e uma única mulher que vendia balas e cigarros, o prazer é obtido furtivamente, sob a parca luz da projeção.
O livro se baseia na experiência do autor e em sua observação detalhada do dia a dia do cinema Orly e seus frequentadores. Publicado originalmente em 1999, esse clássico transgressor e underground faz parte da coleção Sete Chaves, da CARAMBAIA, voltada para a literatura erótica. A curadora da coleção, Eliane Robert de Moraes, assina o posfácio com Bruno Cosentino, compositor e doutor em literatura brasileira. O projeto gráfico é de Laura Lotufo.
Pouco se sabe do personagem. Nem mesmo seu nome é informado. De passagem ficamos sabendo que ele tem 30 anos, trabalha em ofício desconhecido e mora com a mãe. No Orly ele conhece, ao longo do romance, dois namorados, sem que os encontros anônimos deixem de acontecer. O cinema Orly é, para o autor, um paraíso e um inferno. Reinam os fluidos e a genitália exposta. E as incursões entre as fileiras de poltronas se tornam uma rotina na vida do narrador, que antes de cada visita passa por um botequim para beber uma cerveja e uma dose de conhaque.
“Era um fiel frequentador, era quase um beato, e na entrada do Orly, à semelhança mesmo das igrejas, havia sempre um mendigo ou menores de rua pedindo esmola”, escreve Capucho, numa conjugação do sublime e do sombrio, do gozo e da dor. Um exemplo de sua vocação transgressora é justamente a apropriação da simbologia católica como representação do erotismo.
Capucho entremeia a narrativa com letras de músicas que ele compõe de acordo com suas vivências. Cinema Orly também comporta humor, como expresso na titulação dos capítulos “Desconcerto para edipiano e orquestra” e o “Templo não para”. Ou em certas reflexões: “Pensava sempre naquela história de que a verdadeira obra de arte interfere, modifica o receptor, e ao ver o público do Orly interagindo tão infernalmente com os filmes na tela, achava que lá os filmes eram verdadeiramente obras de arte”.
Para o narrador, a experiência de frequentar o cinema de “pegação” significa provar do mais radical anonimato, ser apenas uma imagem sem alma. No entanto, o cinema Orly tem uma surpreendente face civilizatória: policiais entram de quando em quando na sala de exibição e não interagem com ninguém. Tornam, assim, a plateia do cinema um espaço de sociabilização, um terreno preservado da violência urbana e dos sobressaltos do cotidiano. Tudo é ao mesmo tempo previsível e inesperado. “O cinema havia desenvolvido suas próprias regras”, escreve o autor. “No seu subterrâneo, dentro de sua bolha, fazíamos parte de outro mundo, cuja higiene, noção ética, amplitude, atmosfera, gravidade, cor, movimento e abordagem social eram parte de um mundo diferente do mundo lá fora.”
Primeiro romance de Capucho, o livro nasceu num período de convalescença. Em 1996, uma neurotoxoplasmose levou o então músico e professor de ensino médio de 34 anos ao coma. Na ocasião, Capucho descobriu-se HIV-positivo. O coma deixou consequências severas, ele não conseguia mais andar, falar, escrever, muito menos tocar violão. Com ajuda de fisioterapia, aos poucos foi recuperando os movimentos, mas ficou com “a voz do homem elefante”. Quando Cinema Orly foi escrito, as articulações das mãos ainda não estavam totalmente restabelecidas.