Quatro passos sobre o vazio
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Seria reducionista afirmar que as breves narrativas de Quatro passos sobre o vazio representam distopias do século XXI – com possíveis desdobramentos tecnológicos e violências consequentes – permeadas por intertextualidades shakespearianas; talvez seja, esse, apenas o palco (ou o fundo da tela) para que Marcia Tiburi coloque em cena (ou delineie em tintas) sua potência criativa, mesclando ficção e filosofia.
Para Tiburi, o ponto de partida foi um desenho, reproduzido nesta edição, que a autora elaborou buscando compreender as comparações freudianas entre as figuras de Édipo e Hamlet.
E somos introduzidos, logo no início, ao Projeto para o Psicomapeamento de Hamlet. É um projeto que propõe a “melhoria da raça humana”, que – em tese, pois somente se revela, revela?, a primeira pessoa de um dos funcionários do laboratório – aplica dispositivos robóticos rumo à certa perfeição subserviente.
Incógnita, a cartografia; impreciso, o tempo.
Métodos. Regras. Relatórios. Refletidos, pela estética seca, insólita, no estilo do texto. E na solitude dos personagens que, nele, vão surgindo feito interrogações. Em Quatro passos sobre o vazio, o sentimento que você, leitora, você, leitor, conhece por “amor” não recebe mais tal denominação. Não recebe denominação alguma. A palavra “amor” é “praticamente uma senha”, mas vazia de conteúdo.
O que pode também remeter a Ludwig Wittgenstein (Tractatus Logico-Philosophicus): “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.” O que pode remeter a George Orwell (1984): “As vantagens imediatas de falsificar o passado eram óbvias, mas a verdadeira razão era misteriosa.”
Não seria reducionista afirmar que são misteriosas – bem como a sociedade que ensaiam (ou esboçam) –, as quatro narrativas, entrelaçadas, de Marcia Tiburi; talvez uma das respostas, caso existam respostas, uma das chaves, encontre-se absconsa no próprio livro: “A literatura sabe muito antes aquilo que a ciência demora séculos para provar.”